
ERICA FERNANDA DE SOUSA
Bacharel em Enfermagem- UNICESP- 2024
Pós Graduada em Enfermagem Esteta- Facuvale -2025
RESUMO
A enxaqueca crônica configura-se como um distúrbio neurológico incapacitante que compromete a qualidade de vida, a funcionalidade e o bem-estar emocional de adultos, representando um dos principais desafios clínicos no campo da dor. Diante da limitação dos tratamentos convencionais e da crescente busca por terapias minimamente invasivas, a toxina botulínica tipo A tem se destacado como alternativa eficaz para a profilaxia da enxaqueca. O objetivo geral deste estudo foi analisar o uso da toxina botulínica na profilaxia da enxaqueca em indivíduos adultos. A metodologia consistiu em uma revisão de literatura baseada em obras publicadas entre 2015 e 2025, selecionadas a partir de critérios de relevância, atualidade e contribuição científica para o tema. Os resultados evidenciaram que a toxina botulínica promove redução significativa da frequência e intensidade das crises, melhora funcional, menor uso de medicações abortivas e elevada segurança quando aplicada de forma técnica e regular. Além disso, verificou-se que o enfermeiro esteta, quando devidamente capacitado, desempenha papel essencial na avaliação, execução e monitoramento do tratamento. Concluiu-se que a toxina botulínica tipo A representa uma opção terapêutica eficaz e segura para a profilaxia da enxaqueca crônica, com potencial para ampliar o acesso a tratamentos minimamente invasivos e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Palavras-chave: Enxaqueca Crônica. Toxina Botulínica. Profilaxia. Neuromodulação. Enfermagem Estética.
A enxaqueca é um distúrbio neurológico complexo caracterizado por crises recorrentes de dor intensa, geralmente unilateral, pulsátil e acompanhada de sintomas como fotofobia, fonofobia, náuseas e limitação funcional significativa (PEREIRA, 2024). Quando as crises ocorrem por 15 dias ou mais ao mês, sendo ao menos oito com características migranosas, estabelece-se o diagnóstico de enxaqueca crônica, condição que compromete substancialmente a qualidade de vida dos indivíduos e interfere em suas atividades sociais, profissionais e emocionais (ARAÚJO, 2017).
A literatura salienta que a enxaqueca é uma das principais causas de incapacidade entre adultos, especialmente mulheres, configurando-se como um problema de saúde pública com elevados índices de absenteísmo e custos diretos e indiretos para o sistema de saúde (ARAÚJO, 2020). Elucida-se, ainda, que sua prevalência tem aumentado nas últimas décadas, impulsionando a necessidade de estratégias preventivas eficazes e seguras (NACAZUME; MARCOURAKIS, 2019).
Ao longo do tempo, diversas abordagens farmacológicas e não farmacológicas foram desenvolvidas para o manejo preventivo da enxaqueca. Inicialmente, terapias convencionais baseavam-se no uso de antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores e anticonvulsivantes, cuja eficácia é comprovada, mas limitada por efeitos adversos que comprometem a adesão ao tratamento (FERREIRA NETO; MESQUITA; TRÉVIA, 2022).
Com o avanço das pesquisas, surgiram terapias inovadoras, como os anticorpos monoclonais anti-CGRP, indicados em casos refratários (SOUZA, 2020). Nesse contexto evolutivo, a toxina botulínica tipo A (TBA) consolidou-se como uma alternativa eficaz e segura, especialmente para quadros crônicos, devido à sua ação neuromoduladora e à expressiva redução na frequência e intensidade das crises (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
A relação entre a toxina botulínica e a neurologia da dor está fundamentada em seu mecanismo de ação, que vai além do bloqueio da acetilcolina na junção neuromuscular. A TBA atua na redução da liberação de neurotransmissores nociceptivos, como CGRP, substância P e glutamato, além de interferir na sensibilização periférica e central da via trigeminovascular, considerada fundamental na fisiopatologia da enxaqueca (CONDÉ et al., 2023).
Esses efeitos justificam o interesse científico e clínico em seu uso para o tratamento da dor crônica, tornando-a uma alternativa terapêutica de relevância comprovada em pacientes que não respondem adequadamente às terapias tradicionais (PERSON et al., 2023). Revisões recentes destacam que a TBA apresenta resultados consistentes na profilaxia da enxaqueca crônica, com melhora funcional significativa e poucos efeitos adversos (NASCIMENTO, 2023).
No contexto da Enfermagem Estética, o tema ganha destaque pela expansão da atuação do enfermeiro esteta e pela ampliação das práticas baseadas em evidências no campo dos procedimentos minimamente invasivos. A toxina botulínica, tradicionalmente associada ao embelezamento facial, passou a integrar o arsenal terapêutico de manejo da dor, tornando seu estudo essencial para profissionais habilitados e capacitados para práticas seguras e respaldadas cientificamente (CORREA et al., 2019).
O crescimento do uso de substâncias estéticas com finalidade terapêutica reforça a necessidade de atualização e aprofundamento teórico por parte desses profissionais, que contribuem de forma efetiva para o bem-estar, qualidade de vida e saúde integral dos pacientes (XAVIER; ANDRADE; LOBO, 2021).
Logo, compreender o papel da toxina botulínica no tratamento da enxaqueca não apenas amplia as competências técnicas do enfermeiro esteta, mas também fortalece sua atuação social, científica e profissional na área da saúde. Diante desse panorama, emerge a seguinte problemática: qual a eficácia da toxina botulínica como profilaxia da enxaqueca em adultos?
Metodologicamente, realizou-se uma revisão de literatura narrativa com foco em publicações disponibilizadas nas bases SciELO e Google Acadêmico, considerando apenas estudos publicados nos últimos dez anos (2015–2025). A seleção das obras priorizou sua relevância temática, atualidade e contribuição científica para o entendimento da eficácia da toxina botulínica na profilaxia da enxaqueca em adultos, permitindo uma análise crítica e integrada dos achados disponíveis.
Desenvolvimento
Enxaqueca: Fundamentos Clínicos e Epidemiológicos
A enxaqueca é reconhecida como um distúrbio neurológico crônico de elevada prevalência e impacto funcional, caracterizada por episódios recorrentes de dor de intensidade moderada a grave, geralmente pulsátil e unilateral, podendo ser acompanhada de fotofobia, fonofobia, náuseas e incapacidade temporária para atividades diárias (CONDÉ et al., 2023). Segundo Araújo (2017), trata-se de uma condição que afeta significativamente a qualidade de vida dos indivíduos devido à natureza debilitante das crises e à imprevisibilidade dos episódios dolorosos.
Concomitantemente, a enxaqueca pode se manifestar em diferentes padrões clínicos, sendo classificada principalmente em duas formas: episódica e crônica. A enxaqueca episódica ocorre em menos de 15 dias por mês, enquanto a enxaqueca crônica, forma de maior gravidade clínica, é definida pela ocorrência de 15 ou mais dias de cefaleia mensais, sendo pelo menos oito deles com características migranosas, padrão que tende a gerar maior incapacidade, sofrimento emocional e demanda terapêutica mais intensiva (NASCIMENTO, 2023).
Essa distinção entre enxaqueca episódica e crônica tem implicações diretas no diagnóstico e no manejo, uma vez que a cronicidade está associada à maior frequência de sintomas incapacitantes, maior risco de sensibilização central e aumento da utilização de medicamentos abortivos.
Em harmonia com Araújo (2020), a presença de dor persistente por longos períodos pode levar à intensificação da resposta nociceptiva, contribuindo para a manutenção de um ciclo contínuo de dor. Além disso, crises intensas e prolongadas podem desencadear limitações sociais e laborais que impactam de forma expressiva a vida dos pacientes, tornando fundamental a correta identificação dos critérios diagnósticos para direcionar intervenções preventivas eficazes.
Para a definição clínica da enxaqueca, utiliza-se a classificação estabelecida pela International Classification of Headache Disorders, ICHD-3, amplamente adotada em estudos e diretrizes terapêuticas. A ICHD-3 descreve critérios específicos que incluem duração de 4 a 72 horas, presença de dor unilateral e pulsátil, intensidade moderada a grave, agravamento por atividades físicas e associação com sintomas como náuseas, vômitos, fotofobia ou fonofobia (PERSON et al., 2023).
Esses critérios são essenciais para diferenciar a enxaqueca de outras cefaleias primárias e secundárias, permitindo diagnósticos mais precisos e condutas terapêuticas bem orientadas. Complementarmente, fatores desencadeantes, como estresse, privação de sono, determinados alimentos, variações hormonais e estímulos sensoriais intensos, podem contribuir para o surgimento das crises, sendo frequentemente relatados em estudos clínicos sobre enxaqueca e reforçando a necessidade de abordagem individualizada para cada paciente (CONDÉ et al., 2023).
A fisiopatologia da enxaqueca envolve um conjunto complexo de mecanismos neurobiológicos que afetam a excitabilidade neuronal, a modulação sensorial e a resposta inflamatória do sistema nervoso (NASCIMENTO, 2023). Conforme Araújo (2020), trata-se de um processo multifatorial no qual alterações elétricas e bioquímicas no cérebro desencadeiam a crise dolorosa. Um dos elementos-chave é a disfunção na excitabilidade cortical, fenômeno relacionado à instabilidade neuronal que facilita a ativação anormal de vias nociceptivas. Essa hiperexcitabilidade contribui para o desencadeamento da depressão cortical alastrante, evento associado à aura e ao início das crises em indivíduos predispostos (TAVARES, 2017). Além disso, há evidências de que a inflamação neurogênica exerce papel determinante na manutenção e intensificação da dor, caracterizando-se pela liberação de mediadores inflamatórios por terminações trigeminais, o que amplifica a resposta nociceptiva periférica (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
A ativação da via trigeminovascular é outro componente central na fisiopatologia da enxaqueca, sendo apontada como a principal responsável pela transmissão da dor cefálica. Essa via envolve a interação entre o nervo trigêmeo, meninge e vasos sanguíneos intracranianos. Condé et al. (2023) descrevem que, durante uma crise, as fibras trigeminais tornam-se hiper-responsivas, desencadeando a liberação de neuropeptídeos que promovem vasodilatação, edema e sensibilização periférica. Essa ativação inicial evolui para sensibilização central quando os neurônios do tronco cerebral, especialmente no núcleo trigeminal caudal, passam a responder de maneira exagerada a estímulos sensoriais normalmente não dolorosos. Esse mecanismo explica a presença de hiperestesia, fonofobia e fotofobia observadas em muitos pacientes, reforçando o caráter sistêmico e progressivo da enxaqueca (PERSON et al., 2023).
Os neurotransmissores e mediadores químicos desempenham papel decisivo nesse processo, modulando a dor tanto na periferia quanto no sistema nervoso central. Dentre eles, destaca-se o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), cuja liberação aumentada está diretamente associada à vasodilatação meníngea e à intensificação da dor, compondo um dos alvos terapêuticos mais relevantes na atualidade (SOUZA, 2020).
Além do CGRP, o glutamato, principal neurotransmissor excitatório do SNC, contribui para a sensibilização neuronal e a amplificação da resposta nociceptiva, atuando como um modulador crítico na excitabilidade cortical que antecede e perpetua a crise migranosa (NACAZUME; MARCOURAKIS, 2019). A serotonina, por sua vez, está envolvida na regulação da modulação descendente da dor; flutuações em seus níveis podem facilitar a ativação de vias nociceptivas, o que explica a associação entre disfunções serotoninérgicas e crises mais frequentes ou intensas (FERREIRA NETO; MESQUITA; TRÉVIA, 2022).
Isto posto, os mecanismos neurobiológicos que sustentam a enxaqueca compreendem um conjunto integrado de alterações envolvendo excitabilidade cortical, ativação trigeminovascular e liberação de mediadores inflamatórios e neurotransmissores excitatórios. Compreender esses processos é fundamental para justificar o uso de terapias preventivas de ação neuromoduladora, como a toxina botulínica, que atuam diretamente na redução da atividade de neurotransmissores nociceptivos e na interrupção da sensibilização periférica e central, aspectos aprofundados nos capítulos seguintes.
A enxaqueca constitui uma das condições neurológicas de maior impacto funcional, afetando de forma profunda a qualidade de vida dos indivíduos acometidos. De acordo com Araújo (2017), as crises migranosas prejudicam significativamente a realização de atividades cotidianas, tanto de caráter social quanto profissional, devido à intensidade da dor e aos sintomas associados, como hipersensibilidade a estímulos sensoriais e náuseas persistentes.
Essa limitação funcional se expressa, por exemplo, na dificuldade de manter tarefas que exigem concentração, em evitar ambientes iluminados ou ruidosos e na redução da capacidade de interação social. Além disso, durante as crises, muitos pacientes apresentam déficits cognitivos temporários, como dificuldade de memória, lentidão de raciocínio e redução da atenção, que comprometem o desempenho e podem prolongar a incapacidade mesmo após a remissão da dor (NASCIMENTO, 2023).
O impacto da enxaqueca ultrapassa a esfera individual e alcança dimensões socioeconômicas expressivas, especialmente quando se considera o absenteísmo e o presenteísmo. O absenteísmo refere-se às faltas ao trabalho devido às crises, enquanto o presenteísmo diz respeito à permanência no ambiente laboral com produtividade reduzida (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Rodrigues Neto et al. (2022) destacam que ambos os fenômenos são altamente prevalentes entre trabalhadores com enxaqueca crônica, contribuindo para perdas substanciais de rendimento e desempenho organizacional. Esses episódios recorrentes acarretam custos indiretos para empresas e para a saúde pública, incluindo queda de produtividade, maior necessidade de atendimentos emergenciais, aumento de consultas especializadas e utilização frequente de terapias medicamentosas. Araújo (2020) complementa afirmando que, no contexto populacional, a enxaqueca está entre as principais causas de anos vividos com incapacidade, representando um desafio de grande relevância para os sistemas de saúde e para a economia devido ao perfil crônico e recorrente da condição.
Além das repercussões funcionais e econômicas, a enxaqueca apresenta significativa relevância epidemiológica. Estudos evidenciam que suas taxas de prevalência são elevadas em diferentes países e faixas etárias, acometendo especialmente adultos jovens e de meia-idade, faixa etária produtiva, o que potencializa ainda mais seu impacto socioeconômico (PERSON et al., 2023). A condição atinge mais frequentemente mulheres, possivelmente devido a fatores hormonais que influenciam a sensibilidade das vias nociceptivas e favorecem a recorrência das crises (TAVARES, 2017).
Denota-se também que pacientes com enxaqueca crônica constituem um grupo de maior vulnerabilidade, pois apresentam maior carga de dor, maior risco de comorbidades psiquiátricas e maior necessidade de intervenções preventivas (MELLO; JACOCIUNAS, 2023). Tais dados epidemiológicos reforçam a necessidade de opções terapêuticas eficazes, seguras e capazes de reduzir a frequência e intensidade das crises, considerando o impacto substancial da doença sobre indivíduos, famílias e comunidades (PERSON et al., 2023).
Ou seja, o reconhecimento dessa carga global contribui para justificar a busca por tratamentos preventivos inovadores e eficientes, entre eles a toxina botulínica, cujo potencial neuromodulador oferece perspectivas promissoras para a redução da incapacidade e melhoria da qualidade de vida dos pacientes (TAVARES, 2017).
Toxina Botulínica: Propriedades, Indicações e Mecanismos de Ação
A toxina botulínica, inicialmente identificada como um agente tóxico associado ao botulismo, representa um dos mais notáveis exemplos de transformação científica ao longo da história da medicina. Sua descoberta remonta aos estudos pioneiros sobre intoxicações alimentares, nos quais se observou que pequenas quantidades da substância eram capazes de provocar paralisia muscular flácida. Com o avanço das pesquisas, tornou-se possível isolar, purificar e compreender o mecanismo de ação dessa neurotoxina, abrindo caminho para seu emprego controlado em aplicações terapêuticas (XAVIER; ANDRADE; LOBO, 2021).
O interesse científico pela toxina se intensificou ao longo das décadas, sobretudo após a constatação de que, quando administrada em doses adequadas e de forma localizada, era capaz de modular a atividade neuromuscular e neurossensorial de maneira segura, o que estimulou novas investigações em diferentes áreas da saúde (PERSON et al., 2023).
As primeiras aplicações clínicas da toxina botulínica ocorreram no campo dos distúrbios neurológicos, particularmente no tratamento de condições caracterizadas por espasticidade muscular e hiperatividade neuromotoras (TAVARES, 2017). Conforme destacado por Correa et al. (2019), a toxina passou a ser utilizada no tratamento de distonias, estrabismo e espasmos musculares, consolidando-se como uma ferramenta terapêutica valiosa em quadros de origem neurológica. O reconhecimento de seus benefícios levou a uma expansão gradual das indicações, fundamentada em estudos que demonstravam melhora significativa nos sintomas e redução das limitações funcionais. Essa fase inicial marcou o início da trajetória da toxina botulínica como agente terapêutico, proporcionando avanços significativos na qualidade de vida de pacientes com desordens musculares.
Com o decorrer do tempo, a toxina botulínica avançou para outras áreas, especialmente a estética facial, onde ganhou amplo reconhecimento por sua capacidade de suavizar rugas dinâmicas e promover rejuvenescimento não invasivo. A popularização do uso estético foi acompanhada pela expansão científica de sua aplicabilidade, impulsionando estudos que investigavam suas propriedades neuromoduladoras além da musculatura (TAVARES, 2017). Nesse cenário, o campo da estética tornou-se uma das principais portas de entrada para profissionais de diversas áreas da saúde, ampliando a demanda por capacitação técnica e pelo domínio das bases científicas que sustentam o uso seguro da substância (PERSON et al., 2023).
Paralelamente ao crescimento na estética facial, pesquisas contemporâneas demonstraram o potencial da toxina botulínica como agente terapêutico para o manejo da dor crônica. Segundo Mello e Jacociunas (2023), os efeitos da toxina sobre neurotransmissores nociceptivos, como CGRP, substância P e glutamato, despertaram grande interesse no tratamento de condições dolorosas, incluindo distúrbios como bruxismo, disfunção temporomandibular e, especialmente, enxaqueca crônica. Tal expansão decorre do reconhecimento de que sua ação não se limita ao bloqueio muscular, mas envolve modulação de vias sensoriais e redução da sensibilização periférica e central.
Condé et al. (2023) destacam que a toxina botulínica se tornou uma opção consolidada em protocolos neurológicos, ao mesmo tempo em que mantém relevância no campo estético, reunindo características de eficácia, segurança e versatilidade.
Isto posto, a evolução histórica da toxina botulínica revela uma transição marcante de agente tóxico para ferramenta terapêutica e estética amplamente utilizada, sustentada por evidências científicas e avanços biotecnológicos. Essa trajetória fundamenta o uso atual da substância no tratamento preventivo da enxaqueca, tema aprofundado nas próximas seções (TAVARES, 2017).
A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum, cuja atuação terapêutica depende de sua capacidade de modular a liberação de neurotransmissores em diferentes sinapses periféricas. Existem vários sorotipos identificados, notadamente A, B, C, D, E, F e G, que se distinguem pela estrutura molecular, afinidade pelos receptores neuronais e duração dos efeitos clínicos. Entre esses, os tipos A e B são os mais utilizados em práticas médicas, sendo o tipo A o mais amplamente empregado devido à sua maior estabilidade, potência e duração de ação (XAVIER; ANDRADE; LOBO, 2021). Os outros sorotipos apresentam características que limitam seu uso terapêutico, seja pela menor eficácia, por maior difusão tecidual ou por efeitos clínicos mais curtos, o que reforça a predominância do tipo A nos protocolos estéticos e neurológicos contemporâneos (CORREA et al., 2019).
O tipo A destaca-se como a formulação mais indicada para fins terapêuticos e estéticos devido ao seu perfil farmacológico favorável, que proporciona bloqueio neuromuscular eficaz e efeitos prolongados. Estudos mostram que o tipo A possui alta afinidade pelas terminações colinérgicas, conferindo ação mais sustentada quando comparado a outros sorotipos (TAVARES, 2017). Essa característica é determinante no manejo de condições como distonias cervicais, hiperatividade muscular facial e enxaqueca crônica, nas quais a modulação contínua da atividade neuromuscular e nociceptiva é essencial para o controle adequado dos sintomas (CONDÉ et al., 2023).
Além da classificação por sorotipos, a toxina botulínica tipo A apresenta propriedades farmacológicas específicas que influenciam diretamente sua segurança e eficácia. Um dos fatores mais importantes é a pureza da formulação, que garante menor risco de reações adversas e reduz a formação de anticorpos neutralizantes, aspecto elementar para a manutenção da eficácia em tratamentos repetidos (MELLO; JACOCIUNAS, 2023). Outra característica relevante é a potência, medida em unidades padronizadas, que varia de acordo com o fabricante e com o processo de purificação. Essa variação exige conhecimento técnico apurado para evitar erros de dose entre marcas diferentes, especialmente em aplicações terapêuticas, como na profilaxia da enxaqueca.
O perfil de difusão também é um atributo farmacológico decisivo, pois se refere à capacidade da toxina de se espalhar para tecidos adjacentes na região de aplicação. Uma difusão controlada é desejável para garantir precisão estética ou terapêutica, evitando efeitos indesejados, como ptose palpebral, assimetrias musculares ou fraqueza em áreas não alvo (CORREA et al., 2019). A formulação do tipo A apresenta um equilíbrio favorável entre potência e baixa difusão, o que permite delimitar com maior exatidão os pontos de aplicação, especialmente nos protocolos neurológicos utilizados no tratamento da enxaqueca crônica.
Outro aspecto essencial diz respeito à estabilidade e às condições de armazenamento. A toxina botulínica tipo A é altamente sensível a variações de temperatura e deve ser conservada sob refrigeração rigorosa até sua reconstituição. Tavares (2017) reforça que a estabilidade do produto depende da manutenção das proteínas ativas, que podem ser degradadas se expostas à luz ou calor excessivo, comprometendo a eficácia terapêutica. Após reconstituída, a solução deve ser utilizada dentro do período recomendado pelo fabricante para garantir sua potência máxima, evitando perda de atividade farmacológica.
Com isso, as propriedades farmacológicas da toxina botulínica, sobretudo no tipo A, sustentam sua posição como agente terapêutico de referência em tratamentos estéticos e clínicos. Pureza, potência, perfil de difusão, estabilidade e segurança constituem elementos fundamentais para sua ampla utilização e para o sucesso terapêutico em condições como a enxaqueca crônica, aprofundada no capítulo seguinte.
A toxina botulínica tipo A (TBA) exerce múltiplos efeitos neuromoduladores que justificam sua ampla utilização em tratamentos tanto estéticos quanto terapêuticos, especialmente no manejo de condições dolorosas crônicas, como a enxaqueca. Seu mecanismo de ação vai além da simples paralisação muscular, envolvendo processos bioquímicos e neurofisiológicos que modulam a transmissão da dor em diferentes níveis do sistema nervoso (TAVARES, 2017). Segundo Xavier, Andrade e Lobo (2021), a TBA atua inicialmente na periferia, mas seus efeitos se estendem a vias nociceptivas e estruturas centrais, tornando-a uma ferramenta terapêutica de amplo alcance dentro da neurologia da dor.
O primeiro e mais conhecido mecanismo envolve o bloqueio da liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Ao se ligar às terminações colinérgicas presinápticas, a toxina impede a fusão das vesículas de neurotransmissores com a membrana celular, bloqueando a transmissão sináptica e resultando em relaxamento muscular prolongado (CORREA et al., 2019). Essa ação periférica reduz a contração excessiva de grupos musculares envolvidos em padrões de dor, como os músculos frontal, temporal e cervical, frequentemente associados à intensificação das crises migranosas. Condé et al. (2023) destacam que essa modulação muscular contribui não apenas para o alívio direto da dor por diminuição da tensão, mas também para a prevenção da sensibilização periférica que ocorre em pacientes com enxaqueca crônica.
Para além do efeito na junção neuromuscular, a toxina exerce importante ação sobre nociceptores periféricos. Estudos demonstram que a TBA inibe a liberação de mediadores químicos pró-nociceptivos, como substância P, glutamato e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), substâncias fundamentais na transmissão e amplificação da dor (MELLO; JACOCIUNAS, 2023). A diminuição desses mediadores reduz a excitabilidade das fibras sensoriais e limita a ativação exagerada das vias da dor (TAVARES, 2017).
Segundo Souza (2020), o CGRP desempenha papel central nos mecanismos da enxaqueca, e sua redução após a aplicação da TBA está diretamente associada à diminuição das crises e da intensidade da dor. A inibição da liberação desses neurotransmissores contribui para interromper o processo de sensibilização periférica, fenômeno em que estímulos não dolorosos passam a ser percebidos como dolorosos devido ao estado hiper-reativo das terminações nervosas.
A toxina botulínica também promove modulação central da dor, efeito resultante das mudanças que ocorrem na periferia, mas que repercutem em estruturas do sistema nervoso central. De acordo com Person et al. (2023), a redução dos impulsos nociceptivos provenientes da periferia diminui a hiperativação de núcleos do tronco cerebral, especialmente o núcleo trigeminal caudal, estrutura central na fisiopatologia da enxaqueca. Essa diminuição da atividade nociceptiva impede a progressão da sensibilização central, componente responsável pela cronificação da dor e pela intensificação dos sintomas migranosos.
Araújo (2020) frisa que a TBA atua indiretamente sobre a via trigeminovascular, modulando sua resposta e interrompendo ciclos persistentes de dor crônica que caracterizam a enxaqueca refratária. Esta modulação central corrobota tanto para a redução da dor quanto para a diminuição de sintomas associados, como fotossensibilidade e fonossensibilidade.
Deste modo, os mecanismos neuromoduladores da toxina botulínica abrangem ações periféricas, bioquímicas e centrais, que, em conjunto, explicam sua eficácia no manejo da enxaqueca crônica. Ao bloquear a transmissão neuromuscular, reduzir mediadores nociceptivos e modular vias neurais centrais, a TBA atua de forma abrangente no circuito da dor, justificando seu uso crescente em protocolos terapêuticos de prevenção da migrânea (TAVARES, 2017).
Uso da Toxina Botulínica na Profilaxia da Enxaqueca em Adultos
A utilização da toxina botulínica para o manejo das cefaleias, particularmente da enxaqueca crônica, é resultado de um conjunto progressivo de pesquisas científicas que investigaram seu potencial terapêutico ao longo das últimas décadas. Os primeiros estudos que sugeriram essa possibilidade surgiram de observações clínicas realizadas em pacientes submetidos à toxina botulínica com finalidade estética, os quais relataram redução simultânea na frequência e intensidade de episódios migranosos (CORREA et al., 2019).
Essas evidências iniciais motivaram a realização de estudos sistematizados que investigaram a relação entre a ação neuromoduladora da toxina e o alívio da dor (TAVARES, 2017). Segundo Araújo (2017), tais pesquisas pioneiras demonstraram pela primeira vez a capacidade da toxina botulínica de interferir nas vias nociceptivas, sugerindo um novo caminho terapêutico para pacientes com cefaleias de caráter crônico e refratário a tratamentos convencionais.
A consolidação da toxina botulínica como opção terapêutica para a enxaqueca ocorreu com os ensaios clínicos conhecidos como PREEMPT (Phase III Research Evaluating Migraine Prophylaxis Therapy), considerados marcos na literatura internacional. Esses estudos, amplamente referenciados e utilizados como base para regulamentações posteriores, avaliaram a eficácia e segurança da toxina botulínica tipo A em grandes amostras de pacientes com enxaqueca crônica (CORREA et al., 2019).
De acordo com Condé et al. (2023), os protocolos PREEMPT demonstraram redução significativa no número de dias de cefaleia por mês, diminuição da intensidade da dor e melhora da qualidade de vida, com resultados sustentados ao longo de ciclos repetidos de aplicação. Mello e Jacociunas (2023) ressaltam que tais ensaios também evidenciaram baixa incidência de efeitos adversos graves, reforçando o perfil de segurança da toxina. A relevância global dos estudos PREEMPT reside no fato de terem padronizado o protocolo de aplicação, 31 pontos fixos e pontos adicionais conforme a dor, e fornecido evidência científica robusta para embasar sua aprovação regulatória em diversos países.
Com base nesses achados, a toxina botulínica tipo A passou a ser oficialmente indicada para o tratamento da enxaqueca crônica, especialmente em casos refratários às terapias preventivas tradicionais (SANTOS et al., 2023). Silva et al. (2023) destacam que essa aprovação representa um avanço significativo no manejo da migrânea, pois oferece uma alternativa eficaz para pacientes com dor persistente e elevado grau de incapacidade funcional. As indicações aprovadas baseiam-se em critérios diagnósticos definidos internacionalmente, especialmente o padrão de 15 ou mais dias de cefaleia por mês, sendo pelo menos oito com características migranosas, o que configura a enxaqueca crônica segundo a ICHD-3. O perfil ideal de paciente para aplicação inclui adultos com crises frequentes, baixa resposta a medicamentos preventivos ou contraindicação às terapias tradicionais, além daqueles que apresentam sensibilização periférica e central evidente (NASCIMENTO, 2023).
Além disso, Araújo (2020) aponta que, no contexto regulatório e clínico, a toxina botulínica é amplamente recomendada como estratégia prioritária quando há falha terapêutica com antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores ou anticonvulsivantes, reforçando sua importância dentro do algoritmo de tratamento da migrânea crônica.
Paulatinamente, a definição dos critérios clínicos para a aplicação da toxina botulínica em pacientes com enxaqueca é fundamental para assegurar a eficácia terapêutica e a segurança do procedimento. A seleção adequada dos pacientes é baseada principalmente na frequência e na intensidade das crises, seguindo parâmetros estabelecidos internacionalmente (CORREA et al., 2019).
Em consonância com Nascimento (2023), a indicação clássica contempla indivíduos diagnosticados com enxaqueca crônica, definida pela ocorrência de pelo menos 15 dias de cefaleia por mês, dos quais oito apresentam características migranosas. Tal frequência elevada justifica o uso da toxina como terapia preventiva, sobretudo em pacientes que apresentam pouca resposta ou intolerância a tratamentos farmacológicos tradicionais. Além disso, Condé et al. (2023) destacam que a avaliação clínica deve incluir histórico detalhado das crises, presença de gatilhos específicos e identificação de sinais de sensibilização central.
A seleção também envolve exclusões importantes para garantir a segurança do procedimento. Pacientes com doenças neuromusculares, como miastenia gravis, esclerose lateral amiotrófica ou síndrome de Eaton-Lambert, devem ser excluídos devido ao risco aumentado de efeitos adversos relacionados à fraqueza muscular (CORREA et al., 2019). Gestantes e lactantes também não são indicadas para o tratamento, dada a ausência de evidências robustas sobre segurança nesses grupos. Outras contraindicações incluem hipersensibilidade conhecida à toxina botulínica ou a componentes da formulação, além do uso concomitante de aminoglicosídeos, que podem potencializar a ação bloqueadora da acetilcolina (TAVARES, 2017).
A técnica de aplicação da toxina botulínica em pacientes com enxaqueca é baseada no protocolo PREEMPT, reconhecido internacionalmente por sua eficácia e padronização (SANTOS et al., 2023). Segundo Mello e Jacociunas (2023), o protocolo estabelece a aplicação em 31 pontos fixos distribuídos nas regiões frontal, temporal, occipital, cervical e trapézio, áreas diretamente relacionadas à fisiopatologia da dor migranosa. Além desses pontos fixos, é permitido incluir pontos adicionais, conhecidos como follow the pain, em regiões particularmente dolorosas conforme o relato individual do paciente, o que possibilita personalização do tratamento. A dosagem padrão recomendada varia entre 155 e 195 unidades, ajustando-se conforme a necessidade clínica e a presença de pontos suplementares (CONDÉ et al., 2023).
Os intervalos de reaplicação são igualmente importantes: recomenda-se que o procedimento seja repetido a cada 12 semanas, respeitando o tempo necessário para a regeneração das terminações nervosas e para manutenção da eficácia neuromoduladora. Person et al. (2023) ressaltam que intervalos menores não aumentam a eficácia e podem elevar o risco de formação de anticorpos neutralizantes, enquanto intervalos maiores tendem a reduzir a resposta clínica. Assim, o cumprimento do esquema posológico é essencial para garantir estabilidade terapêutica e evitar flutuações na resposta analgésica.
O monitoramento dos resultados é etapa indispensável no acompanhamento de pacientes submetidos à toxina botulínica (SILVA et al., 2023). Ademais, a melhora clínica pode ser observada progressivamente ao longo dos ciclos de tratamento, sendo mais evidente após a segunda ou terceira aplicação (ARAÚJO, 2020). A redução da dor, em intensidade e frequência, deve ser documentada com ferramentas objetivas, como escalas de dor, questionários de impacto funcional e o diário de cefaleia, instrumento amplamente recomendado para registrar o número de dias com dor, uso de medicamentos abortivos e presença de sintomas associados (NACAZUME; MARCOURAKIS, 2019). Tal acompanhamento permite avaliar o padrão individual de resposta e identificar efeitos cumulativos, característicos da terapia com toxina botulínica, que se tornam mais consistentes ao longo do tratamento contínuo.
A eficácia da toxina botulínica tipo A no tratamento preventivo da enxaqueca crônica está amplamente documentada em estudos clínicos e revisões sistemáticas, consolidando-a como uma das principais terapias neuromoduladoras disponíveis atualmente (SILVA et al., 2023).
Isto posto, Condé et al. (2023), um dos benefícios mais consistentemente observados é a redução significativa da intensidade da dor, resultado diretamente relacionado à diminuição da excitabilidade das fibras trigeminais e à menor liberação de neurotransmissores nociceptivos. Essa melhora na intensidade contribui para menor sofrimento durante as crises e reduz a incapacidade funcional que caracteriza a enxaqueca crônica.
Aliás, Person et al. (2023) ressaltam que o tratamento com toxina botulínica promove diminuição no uso de medicamentos abortivos, pois os pacientes passam a experimentar crises menos frequentes e menos graves. Tal efeito é clinicamente relevante, considerando que o uso excessivo de analgésicos está associado à cefaleia por abuso medicamentoso, condição comum em indivíduos com enxaqueca crônica.
Outro benefício expressivo se trata da melhora funcional e emocional observada após os ciclos de tratamento. Conforme Mello e Jacociunas (2023), pacientes submetidos à toxina botulínica relatam aumento da produtividade, redução das limitações nas atividades sociais e maior sensação de bem-estar geral. Já Araújo (2020) complementa que a melhora emocional está relacionada à diminuição do impacto psicológico das crises, uma vez que a imprevisibilidade e intensidade da enxaqueca frequentemente geram ansiedade e comprometem a qualidade de vida. Assim, a toxina botulínica se destaca não apenas pela ação analgésica, mas pela capacidade de restaurar a funcionalidade global dos pacientes.
Apesar dos benefícios significativos, a terapia apresenta limitações que precisam ser consideradas. Uma delas é o custo do tratamento, apontado por Nascimento (2023) como um dos principais fatores que dificultam o acesso de muitos pacientes, especialmente em sistemas de saúde com recursos limitados. Outro aspecto é a necessidade de reaplicações periódicas, geralmente a cada 12 semanas, para manutenção dos efeitos terapêuticos, o que pode representar um desafio financeiro e logístico para alguns indivíduos (PERSON et al., 2023). Além disso, a literatura aponta que existe variabilidade na resposta clínica: alguns pacientes apresentam melhora significativa após poucas aplicações, enquanto outros exibem resposta limitada ou até mesmo ausência de benefício perceptível (MELLO; JACOCIUNAS, 2023). Essa variabilidade pode estar relacionada a diferenças anatômicas, ao grau de sensibilização central, ao tempo de evolução da enxaqueca e à presença de comorbidades, como ansiedade ou distúrbios do sono.
Em relação aos efeitos adversos, embora a toxina botulínica seja considerada uma terapia segura, alguns eventos podem ocorrer, normalmente de forma leve e transitória (SILVA et al., 2023). Correa et al. (2019) relatam que entre os efeitos adversos mais comuns estão dor ou sensibilidade no local da aplicação, resultado da penetração da agulha ou da difusão local da toxina. A ptose palpebral é outro efeito possível, decorrente de aplicação inadequada ou difusão indesejada para o músculo levantador da pálpebra superior, mas tende a se resolver espontaneamente em algumas semanas (XAVIER; ANDRADE; LOBO, 2021).
Assimetrias temporárias na mímica facial também podem ocorrer, especialmente quando há diferenças individuais na força muscular ou na distribuição da toxina entre os pontos de aplicação. Tais efeitos são, em geral, autolimitados e evitáveis com técnica adequada e avaliação criteriosa do paciente. Quanto às contraindicações específicas, Tavares (2017) reforça que devem ser considerados pacientes com histórico de hipersensibilidade à substância, doenças neuromusculares e gestantes, conforme discutido nos critérios clínicos.
A atuação do enfermeiro esteta no manejo terapêutico com toxina botulínica exige sólida formação técnico-científica, respaldo legal e domínio de competências específicas que assegurem a execução segura do procedimento. Embora a literatura fornecida não trate diretamente das normativas brasileiras, ela destaca a importância da capacitação e do preparo adequado dos profissionais que utilizam toxina botulínica para fins terapêuticos (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Correa et al. (2019) reforçam que a manipulação da substância deve ser realizada apenas por profissionais habilitados e devidamente treinados, o que inclui conhecimento aprofundado sobre anatomia, farmacologia da toxina, técnicas de aplicação e manejo de possíveis intercorrências. O exercício seguro dessa prática exige que o enfermeiro esteta esteja alinhado às resoluções e diretrizes vigentes, bem como às exigências de formação complementar específica, garantindo conduta ética e qualificada.
A avaliação clínica constitui etapa fundamental do processo terapêutico, pois permite a construção de um plano de cuidados individualizado e alinhado ao quadro clínico do paciente (SANTOS et al., 2023). Esse processo deve iniciar-se pela anamnese direcionada, que inclui histórico detalhado da dor, frequência das crises, características dos episódios de enxaqueca e fatores agravantes ou atenuantes (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Segundo Nascimento (2023), compreender esse perfil é essencial para identificar pacientes que apresentam enxaqueca crônica e que podem se beneficiar da toxina botulínica. A utilização de escalas de dor, como a Escala Visual Analógica (EVA), auxilia na quantificação dos sintomas antes e após as aplicações, favorecendo monitoramento objetivo dos resultados. Condé et al. (2023) destacam ainda a importância de identificar gatilhos comuns, como privação de sono, estresse e estímulos sensoriais intensos, informações que contribuem para estratégias complementares de prevenção e educação em saúde.
A execução segura do procedimento exige domínio técnico rigoroso por parte do enfermeiro esteta. Aliás, esse domínio envolve desde a diluição adequada da toxina botulínica, respeitando orientações do fabricante, até a seleção de seringas e agulhas apropriadas para garantir precisão e conforto ao paciente. Xavier, Andrade e Lobo (2021) enfatizam que a aplicação deve seguir pontos anatômicos padronizados e respeitar a profundidade correta, reduzindo o risco de difusão inadequada, assimetrias ou efeitos adversos como fraqueza muscular indesejada. As técnicas de assepsia são igualmente fundamentais para a prevenção de infecções e complicações locais, devendo ser rigorosamente seguidas conforme as boas práticas assistenciais. Eventuais intercorrências, como dor pós-procedimento ou pequenas assimetrias, devem ser reconhecidas e manejadas de forma apropriada, garantindo segurança e confiança ao paciente (CORREA et al., 2019).
O acompanhamento terapêutico também é parte central da atuação do enfermeiro esteta, pois a intervenção com toxina botulínica não se encerra na aplicação. Araújo (2020) destaca que o suporte pós-procedimento engloba orientações sobre cuidados imediatos, sinais de alerta e possíveis efeitos transitórios. O ajuste das expectativas é igualmente importante, já que a toxina botulínica apresenta efeito cumulativo e os resultados mais expressivos ocorrem após ciclos sucessivos de aplicação. Conforme Person et al. (2023), o intervalo recomendado entre as sessões é de aproximadamente 12 semanas, período que deve ser planejado com o paciente para garantir continuidade terapêutica. O enfermeiro esteta também desempenha papel importante no monitoramento dos efeitos ao longo do tempo, avaliando a redução da frequência das crises, intensidade da dor e resposta individual ao tratamento, permitindo ajustes quando necessários.
A toxina botulínica tipo A consolidou-se como uma das principais terapias preventivas para a enxaqueca crônica, apresentando vantagens clínicas e funcionais amplamente documentadas na literatura científica. Um dos benefícios mais relevantes é o baixo risco associado ao tratamento, uma vez que a toxina, quando aplicada corretamente, apresenta perfil de segurança favorável e baixa taxa de eventos adversos graves (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Correa et al. (2019) reforçam que a maioria das reações ocorre de forma leve e transitória, o que contribui para elevada aceitação e continuidade do tratamento pelos pacientes. Além disso, estudos demonstram que a toxina botulínica possui alta eficácia comprovada na redução da frequência e intensidade das crises migranosas, sendo considerada uma terapia de destaque para pacientes com enxaqueca crônica refratária (CONDÉ et al., 2023). Essa eficácia está diretamente associada aos seus mecanismos neuromoduladores, que interferem na liberação de neurotransmissores nociceptivos e na sensibilização periférica e central. Outro ponto positivo é sua versatilidade clínica: além da enxaqueca, a toxina apresenta benefícios em condições como disfunção temporomandibular, bruxismo e dores cervicais, ampliando suas aplicações terapêuticas e reforçando seu valor na prática clínica (XAVIER; ANDRADE; LOBO, 2021).
Entretanto, apesar dos benefícios consistentes, a toxina botulínica apresenta limitações técnicas e financeiras que devem ser consideradas no processo de tomada de decisão terapêutica. Uma das principais restrições refere-se aos custos elevados do tratamento, que podem inviabilizar o acesso para parte dos pacientes, especialmente considerando a necessidade de reaplicações periódicas para manutenção dos efeitos terapêuticos (NASCIMENTO, 2023).
Essa necessidade de reaplicação a cada 12 semanas, conforme estabelecido nos protocolos clínicos, também pode representar um desafio logístico e financeiro, mesmo em sistemas de saúde suplementar. Outro fator limitante é a variabilidade individual na resposta ao tratamento: enquanto alguns pacientes demonstram melhora expressiva já nas primeiras aplicações, outros exibem resposta parcial ou limitada, indicando que a toxina não é igualmente eficaz para todos os perfis clínicos (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Embora rara, outra limitação importante é a possível resistência imunológica ao tratamento, decorrente da formação de anticorpos neutralizantes contra a toxina botulínica. Segundo Person et al. (2023), essa resistência pode ocorrer em casos de uso prolongado, intervalos de aplicação inadequados ou exposição a doses elevadas, resultando na redução da eficácia terapêutica ao longo do tempo. Apesar de incomum, essa possibilidade reforça a necessidade de monitoramento contínuo e escolha criteriosa de doses e intervalos de aplicação, especialmente em tratamentos prolongados.
Perante o exposto, embora a toxina botulínica apresente benefícios robustos e consagrados, sua utilização deve ser acompanhada de análise crítica que considere limitações técnicas, econômicas e individuais. A compreensão equilibrada entre suas vantagens e limitações contribui para uma prática clínica mais segura, personalizada e alinhada às necessidades dos pacientes com enxaqueca crônica (MELLO; JACOCIUNAS, 2023).
Esta pesquisa elucidou a enxaqueca crônica como uma condição neurológica complexa, marcada por mecanismos de sensibilização periférica e central que resultam em dor recorrente, limitações funcionais e impacto expressivo na qualidade de vida dos pacientes. Ao longo da revisão, tornou-se evidente que a toxina botulínica tipo A representa uma alternativa terapêutica consistente e segura, fundamentada em evidências científicas robustas que demonstram sua eficácia na redução da frequência, intensidade e duração das crises. Seus mecanismos de ação, que envolvem modulação neuromuscular, diminuição de neurotransmissores nociceptivos e interferência nas vias trigeminovasculares, explicam de maneira coerente os resultados clínicos observados em pacientes com enxaqueca crônica.
Os objetivos propostos foram plenamente atendidos, uma vez que o estudo descreveu os principais aspectos fisiopatológicos da enxaqueca, detalhou os mecanismos neuromoduladores da toxina botulínica, apresentou os protocolos de aplicação estabelecidos internacionalmente e discutiu a eficácia do tratamento a partir de diferentes abordagens metodológicas. Também foi possível analisar as limitações relacionadas ao custo, variabilidade de resposta e necessidade de reaplicações periódicas, ressaltando a importância da avaliação individualizada e do monitoramento contínuo.
No âmbito da Enfermagem Estética, os achados deste estudo reforçam a necessidade de capacitação técnica, embasamento científico e responsabilidade profissional no uso terapêutico da toxina botulínica. O enfermeiro esteta desempenha papel fundamental na avaliação, execução e acompanhamento do procedimento, contribuindo diretamente para a segurança, eficácia e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. A ampliação da atuação desse profissional em procedimentos minimamente invasivos, quando respaldada por formação adequada e práticas baseadas em evidências, fortalece o campo da estética avançada e amplia o acesso a intervenções terapêuticas alternativas.
Sugere-se que pesquisas futuras explorem a longo prazo a resposta acumulativa das aplicações, fatores que influenciam a variabilidade individual, comparações entre diferentes marcas de toxina botulínica e investigações que avaliem o impacto do tratamento em grupos populacionais específicos. Estudos clínicos que ampliem o entendimento sobre associações terapêuticas e sobre a integração de estratégias complementares também representam caminhos relevantes para aprofundamento científico.
Conclui-se, portanto, que a toxina botulínica tipo A constitui uma ferramenta terapêutica valiosa para a profilaxia da enxaqueca crônica, proporcionando benefícios significativos e comprovados. Quando aplicada com rigor técnico e fundamentação científica, destaca-se como uma opção segura e eficaz, capaz de reduzir a incapacidade, promover alívio substancial da dor e contribuir para o bem-estar global dos pacientes.
São Paulo-SP 06 de junho de 2024
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